33 milhões de pessoas: esse é o número aproximado e alarmante de indivíduos que passam fome no Brasil de acordo com o 2º VIGISAN – Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19. Esse tópico traz a importância e contexto à Campanha da Fraternidade 2023.
O estudo, publicado em junho de 2022, revela que o equivalente a 15,5% de toda a população que reside no país está em uma situação dramática.
Se você está com dificuldades para imaginar o que esse número representa, saiba que também achamos um dado difícil de assimilar.
Como um território marcado historicamente por tanta abundância de recursos naturais pode ter voltado de maneira tão devastadora ao chamado Mapa da Fome, elaborado pela Organização das Nações Unidas?
E como nós, cidadãos atuantes, podemos ajudar, com as próprias mãos, a mudar essa realidade?
Essas são apenas algumas das questões que a Campanha da Fraternidade 2023 trará para o centro do debate público.
Com o tema “Fraternidade e fome” e o lema “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Mt 14,16), a campanha quer incentivar a sociedade a agir considerando o que cada indivíduo, dentro de suas possibilidades e círculos sociais, pode fazer para mudar a realidade de quem passa fome no Brasil.
E esse movimento também pode ter espaço e voz, claro, nas salas de aula.
Por isso, conheça a seguir detalhes sobre como nasceu e como funciona a Campanha da Fraternidade, além de dicas e sugestões de sua implementação no ambiente escolar.
A PRIMEIRA CAMPANHA DA FRATERNIDADE
A ideia inicial de reunir a sociedade, tendo como ponto de partida a Igreja Católica, para debater, agir e arrecadar fundos para atividades assistenciais nasceu em 1961.
Naquele ano, tendo como guia Dom Eugênio de Araújo Sales, padres de Natal (RN) idealizaram o que seria o embrião da Campanha, que acabou sendo implementado em 1962.
A partir de 1964, nasceu a Campanha da Fraternidade como a conhecemos hoje, realizada sempre no período da Quaresma (os 40 dias que antecedem a Páscoa, contados a partir da Quarta-Feira de Cinzas).
A organização é da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e de acordo com Dom Joel Portella Amado, bispo auxiliar da arquidiocese do Rio de Janeiro (RJ) e secretário-geral da CNBB, “a Campanha da Fraternidade é um dos modos pelos quais o Brasil vive a Quaresma”.
A partir de 1964, é sempre escolhido um tema central e um lema (naquele ano, foram “Igreja e renovação” e “Lembre-se: você também é igreja”).
Em 2022, a Campanha trabalhou com o tema “Fraternidade e educação” e o lema “Fala com sabedoria, ensina com amor (cf. PR 31,26)”.
O mote da campanha é organizado pela Igreja, mas é importante notar que a maior parte dos temas atuais é de caráter humano, agregador e capaz de comover a sociedade como um todo, independentemente da religião.
PASSADO E PRESENTE H2
O ano de 2023 marcará a terceira vez que a Campanha da Fraternidade aborda a fome. A primeira foi em 1975 (tema “Fraternidade é repartir”, lema “Repartir o pão”), e a segunda, em 1985 (tema “Fraternidade e fome”, lema “Pão para quem tem fome”).
Não é difícil entender por que o assunto sempre volta à tona: o Brasil seguiu lidando com cenários de profunda desigualdade social ao longo dos séculos e isso se reflete diretamente em um dos direitos mais básicos do ser humano.
O direito à alimentação está, inclusive, exposto em forma de lei no artigo 6º da Constituição Federal de 1988, que diz: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma da constituição”.
O cenário da pandemia piorou de forma devastadora a questão da fome no Brasil.
De acordo com o 2º VIGISAN, citado logo no início deste texto, o número de pessoas em situação de insegurança alimentar grave aumentou em 14 milhões apenas entre 2020 e 2022.
A situação é ainda mais triste se olharmos para o passado recente: em 2014, o Brasil saiu do Mapa da Fome, tendo, à época, menos de 2% da população em situação de subalimentação.
Ver que esse número saltou para 15,5% em cerca de seis anos é assustador e inquietante.
E as coisas não melhoram quando olhamos para a situação global. De acordo com o relatório Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo 2022, lançado pela ONU no último mês de julho, 9,8% da população mundial passava fome em 2021, o equivalente a cerca de 828 milhões de pessoas.
O número ficou em torno de 8% entre 2015 e 2021, tendo aumentado gritantemente após a pandemia de Covid-19.
Para entender do relatório acima, saiba que a ONU utiliza uma escala de insegurança alimentar, na qual a fome é definida como privação alimentar; a insegurança alimentar moderada é quando indivíduos têm incertezas sobre sua capacidade de conseguir comida e acabam reduzindo a qualidade ou a quantidade de alimentos; a insegurança alimentar severa é quando as pessoas ficam sem comida por um ou mais dias.
AÇÕES PRÁTICAS
Analisar os dados atuais e do passado recente da fome no Brasil leva à conclusão de que o tema da Campanha da Fraternidade 2023 é de urgência extrema.
A cada ano, o objetivo da Campanha é, fundamentalmente, ajudar o próximo por meio da ação concreta dos cidadãos comuns, enquanto busca-se criar uma cultura em que a população possa assumir uma postura mais solidária de maneira contínua.
Em meio a números tão altos de pessoas sem ter acesso à alimentação, é necessário não apenas fiscalizar o governo como também tomar atitudes que impactem o seu próprio entorno.
E esse será um dos objetivos da Campanha da Fraternidade em 2023.
Anualmente, no Domingo de Ramos, a Campanha oficializa a coleta de donativos que serão destinados a iniciativas relacionadas ao tema vigente.
A arrecadação compõe o Fundo Nacional de Solidariedade e os Fundos Diocesanos de Solidariedade, que direcionam 60% das doações a projetos sociais da própria comunidade diocesana e 40% a diferentes regiões do país.
Além das doações recolhidas pela Igreja no Domingo de Ramos, é possível usar todo o período de vigência da Campanha para incentivar ações sociais.
E isso pode ser feito diretamente na escola.
A CAMPANHA DA FRATERNIDADE E O AMBIENTE ESCOLAR
A Campanha da Fraternidade parte da Igreja Católica, uma organização religiosa, mas costuma ter conexão com temas urgentes que, de maneira geral, não têm relação direta com uma crença específica.
Ter conhecimento político-social é essencial na formação de cidadãos conscientes e atuantes, e temas como a fome podem ser amplamente discutidos em sala de aula.
É questão de formação humana e cidadã, preparar alunos para assumir uma posição mais solidária e empática diante da sociedade.
Aliás, Empatia e Responsabilidade são competências citadas na Base Nacional Comum Curricular, por isso, trabalhar a Campanha nas escolas pode ajudar na implementação de debates que irão aprofundar o conhecimento dos alunos a respeito de diferentes realidades vividas no país, além de os despertar para a capacidade individual de ajudar o próximo.
Em uma sociedade que propaga o individualismo, tal vivência pode ser de extremo valor não apenas para a construção da capacidade crítica, como também para a formação do próprio caráter.
COMO IMPLEMENTAR A CAMPANHA DA FRATERNIDADE NA INSTITUIÇÃO DE ENSINO
A fome é um tema especialmente caro ao mundo atual, sendo até mesmo o segundo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que faz parte da Agenda 2030 da ONU: enquanto o consumo desmedido é estimulado em todas as telas que nos rodeiam, há milhões de pessoas que sequer sabem se terão uma refeição ao longo do dia.
Um paradoxo estarrecedor, que deve ser debatido e combatido por meio de ações concretas.
Em primeiro lugar, é necessário contextualizar o momento em que vivemos e as diferentes circunstâncias em que a fome se apresenta mundo afora. Para ajudar nessa missão, a Santillana Educação selecionou uma lista diversa de livros das editoras Moderna e Salamandra, que abordam questões apresentadas pela Campanha da Fraternidade 2023. Clique aqui para conhecer as obras, indicadas para diferentes idades escolares.
É possível usar a leitura como ponto de partida para a discussão em sala de aula e, então, propor atividades relacionadas ao livro escolhido. Siga no artigo para conhecer melhor essa e outras sugestões.
Livros
Em sala de aula, indique um livro da lista elaborada pela Santillana Educação e promova atividades em grupo para que os alunos exponham sentimentos e ideias relacionados à obra escolhida e ao tema da desigualdade social em geral.
Cinema
Escolha um filme adequado à idade de seus alunos e o apresente em sala de aula. A partir daí, você pode propor atividades como seminário ou dissertação. Peça que os alunos exponham o que compreenderam e façam ligações entre o que foi visto na obra e o cenário atual.
Debate familiar
Peça que os alunos assistam ou leiam, em casa, uma obra sobre a fome e debatam em família. A atividade pode render uma ação complementar em sala de aula, a exemplo de apresentações nas quais os alunos compartilhem, ao lado dos colegas, como foi a experiência familiar.
Atividade solidária
Busque apoio da direção para realizar, dentro da própria escola, uma campanha de arrecadação de alimentos para instituições sem fins lucrativos que combatem a fome. Essas organizações podem ser definidas pelo corpo diretivo escolar ou em sala de aula, junto aos alunos, a partir de orientação do docente.
A ideia é incentivar um comportamento solidário por parte dos estudantes, que podem buscar apoio de pais, parentes e vizinhos na hora de angariar alimentos.
Estudos atuais
Crie uma aula focada na situação atual do Brasil, com os números da fome no país. Use métodos visuais e comparativos (exemplo: “X milhões de pessoas em situação de fome equivalem a toda a cidade de Y”) para aumentar a compreensão. Se puder, contextualize o assunto com histórias de famílias específicas, por meio de reportagens, por exemplo.
O impacto de diferentes áreas no panorama da fome
Apresente, de maneira interativa, como diferentes mercados e grupos se relacionam com a indústria da alimentação e o impacto de cada um no retrato da fome: desmatamento, agrotóxicos, agropecuária e alimentos geneticamente modificados podem ser abordados.
Artes
A escola pode apresentar a Campanha ao pendurar cartazes criados pelos alunos em ambientes comuns. Uma opção é a criação de cartazes em grupo, a partir da discussão dos estudos acima.
A IMPORTÂNCIA DO PROFESSOR NA CONSCIENTIZAÇÃO DOS ESTUDANTES
Para realizar as atividades citadas neste artigo, é preciso que o docente esteja comprometido em transmitir a mensagem de conscientização proposta pela Campanha da Fraternidade.
É importante mergulhar em materiais sobre a fome e entender os impactos do atual cenário no panorama brasileiro.
A Campanha da Fraternidade serve como um lembrete a todos nós de que é sempre preciso estender a mão aos mais necessitados e de que o comportamento solidário é componente-chave da vida em comunidade.
Busque enraizar esse entendimento em si mesmo para que, assim, possa trabalhar o tema de maneira clara, direta e marcante no espaço escolar.